Os cefalópodes, mais particularmente as lulas, são conhecidas por terem um papel fundamental no Oceano Austral (OA). Existem dezoito espécies de lulas no OA e é expectável que outras sejam ainda descobertas. A distribuição das espécies pelágicas [1] é determinada pela latitude podendo ser classificadas relativamente ao Sistema Latitudinal de Frentes Oceânicas [2].
O principal papel desempenhado pelas lulas está relacionado com as relações tróficas [3]. As lulas são predadoras vorazes que se alimentam de uma grande variedade de presas, incluindo crustáceos, peixes e outras lulas, no entanto têm preferência pelo Krill Antártico. São também presas dos predadores de topo como baleias, focas, albatrozes, pinguins, peixes e outros, sendo consumidas 34 106 toneladas por ano, fazendo a ligação entre os níveis tróficos mais baixos e o topo da cadeia alimentar.
Além da importância ecológica, as lulas antárticas são um alvo para futura exploração comercial. Atualmente existe pesca exploratória de Martialia hyadesi, no entanto já foram aplicadas medidas precaucionarias [4] devido à importância que as lulas têm no ecossistema e tendo em conta que o colapso dos stocks levaria a consequências dramáticas nas populações dos predadores de topo.
Por estas razões e considerando as alterações climáticas é importante perceber como serão afetadas as populações de lulas por alterações ambientais, tais como, a subida das temperaturas, alterações físicas (p.ex. a circulação do oceano, alterações na plataforma de gelo e a acidificação do oceano) e alterações ecológicas complexas.
Com as previsões a apontar para um aumento de quase +1ºC em 2100, é expectável que o intervalo de latitude [5] que as espécies possuem seja afetado, com as espécies endémicas de grandes latitudes a verem o seu limite Norte encolhido e as espécies de águas mais quentes a serem capazes de irem mais a Sul. Fatores físicos como a acidificação do oceano vão afetar o desenvolvimento dos estatólitos [6] que leva a um comportamento natatório incontrolado. As alterações na circulação oceânica irão afetar a produção primária e o transporte das larvas de lulas (processo critico para completar a fase primária do ciclo de vida das lulas). Embora as alterações na plataforma de gelo não afetem diretamente as lulas, irão afetar os ecossistemas que elas necessitam, afetando consequentemente espécies como o Krill Antártico, a principal presa das lulas do OA.
Prevê-se que as alterações climáticas afetem negativamente, e de maneiras distintas, as lulas do OA, no entanto este impacto irá dever-se mais a alterações no ecossistema do que ao stress que possa ser causado aos organismos. Um ponto positivo é que a biologia da lula (i.e. crescimento rápido, iteroparidade , tempo de gerações curto, voracidade e o grande espectro da dieta), permite a estas uma habilidade para uma resposta rápida a alterações ambientais, bem como a habilidade para o preenchimento de nichos ecológicos [7] deixados por outras espécies.


[1] Espécies pelágicas são espécies que vivem na coluna de água, ou seja, não vivem dependentes do fundo do oceano.
[2] Frentes oceânicas são as fronteiras que existem entre duas massas de água diferentes, geralmente associada a alterações em fatores das mesmas, como temperatura por exemplo.
[3] Relações tróficas são as relações que existem entre espécies ao longo da cadeia alimentar.
[4] Medidas precaucionarias são medidas que são aplicadas de modo a prevenir que algo errado aconteça antes que se conheça o verdadeiro impacto
[5] Latitude é a distância (medida em graus) desde o equador até aos polos, e varia entre 90º Norte e 90º Sul.
[6] Estatólitos são peças carbonatadas que ajudam os peixes e cefalópodes a percecionarem o ambiente circundante
[7] Nicho ecológico são locais que preenchem as condições necessárias a uma espécie para sobreviver
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Fonte: Rodhouse, P. G. K. (2013). Role of squid in the Southern Ocean pelagic ecosystem and the possible consequences of climate change. Deep Sea Research Part II: Topical Studies in Oceanography, 95, 129–138. doi: 10.1016/j.dsr2.2012.07.001
Autor: José Queirós