Os métodos de pesca têm vindo a evoluir e a alterar-se ao longo dos anos. Com o declínio das capturas e os efeitos das alterações ambientais, estes métodos começaram a ser mais selectivos, levando ao aumento da pesca de palangre. No entanto, tem-se vindo a perceber que o uso deste método está associado com o aumento de interações de predação com predadores marinhos, como os odontocetos (cetáceos – ou baleias – com dentes). Interações de predação neste contexto ocorrem quando uma espécie animal selvagem consome um recurso que foi capturado durante a pesca. Quando interagem com palangreiros, as baleias removem diretamente o peixe dos anzóis, o que causa impactos tanto na conservação dos peixes, por não se conseguir avaliar e estimar os stocks, como na conservação das espécies predadoras, devido a possíveis lesões causadas ou até a morte do predador. No Oceano Antárctico a pesca de palangre demersal é utilizada para capturar Merluza-negra (Dissostichus eleginoides), o que se tornou a principal atividade económica nesta região.
Este mês, o Ciência às Claras traz-nos um estudo que pretendeu entender o efeito dos padrões de pesca nas interações de predação entre palangreiros e duas espécies de odontocetes, a orca (Orcinus orca) e o cachalote (Physeter macrocephalus), no Oceano Antárctico. Os dados foram recolhidos por observadores em palangreiros, em sete áreas de estudo: sul do Chile, e ao redor das ilhas Malvinas (Falkland), Geórgia do Sul, Prince Edward and Marion (PEMI), Crozet, Kerguelen, e Heard and MacDonald (HIMI).
Os resultados obtidos demonstraram que estas duas espécies apresentaram um padrão diferente na interação com as embarcações, consoante a extensão e oportunidades de predação. O aumento do esforço de pesca durante o inverno, principalmente em HIMI e na Geórgia do Sul, coincidiu com a diminuição dos níveis de interação dos palangreiros com o cachalote, provavelmente devido ao baixo número de cachalotes nesta região. Entre 2003-2015 observou-se uma diminuição nas interações de predação ao para o cachalote no sul do Chile, e nas ilhas Crozet e Kerguelen, enquanto que nas ilhas Malvinas se observou um aumento destas interações com esta espécie. Pelo contrário, as interações com orca diminuíram no sul do Chile, mas aumentaram na Geórgia do Sul.
Quanto ao efeito da área de pesca, áreas maiores foram associadas a níveis mais reduzidos de interação de orcas e cachalotes com embarcações, talvez por diminuir a probabilidade das baleias detetarem as embarcações. Também uma maior mobilidade das embarcações levou a uma diminuição na interação com orcas. No entanto, para os cachalotes foi observado o padrão inverso, talvez porque a densidade de indivíduos é mais elevada, excepto em HIMI. Nesta região, interações de predação foram apenas documentadas em 2010, ano em que a época de pesca foi alargada até à primavera e coincidiu com a altura em que o cachalote se desloca para esta região.
Algumas embarcações estavam equipadas com “cachalotera”, um sistema de pesca que impede as baleias de conseguir recolher os peixes capturados pelos palangres. No entanto, os resultados demonstraram que este sistema não influenciou as interações com as baleias e em alguns casos, até se observaram mais interações. As baleias continuam a conseguir alimento e as embarcações acabam por permanecer na mesma região a pescar por mais tempo.
Por último, a profundidade a que as embarcações se encontravam também influenciou o encontro com estas espécies, isto é, as baleias tenderam a distribuir-se nas zonas menos profundas, utilizadas pelas embarcações. Isto também pode dever-se às condições oceanográficas uma vez que a abundância de presas aumenta nestas zonas. É importante melhorar os métodos de pesca e controlar a quantidade de embarcações que vão para estas regiões, de modo a atenuar este problema. Uma vez que o cachalote apresenta maior probabilidade de interagir com as embarcações, são necessárias mais medidas de prevenção e conservação desta espécie.
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Fonte: Tixier, P., Burch, P., Richard, G., Olsson, K., Welsford, D., Lea, M. A., Hindell, M. A., Guinet, C., Janc, A., Gasco, N., Duhamel, G., Villanueva, M. C., Suberg, L., Arangio, R., Söffker, M., & Arnould, J. P. Y. (2019). Commercial fishing patterns influence odontocete whale-longline interactions in the Southern Ocean. Scientific reports, 9(1), 1904. DOI: 10.1038/s41598-018-36389-x
Autora: Inês Ribeiro