Na era que vivemos, o impacto e ameaças à natureza e à biodiversidade de origem humana é cada vez maior. A título de exemplo, o relatório de 2020, divulgado pela WWF aponta para uma perda de 68% de biodiversidade nos últimos 50 anos.
Nos oceanos a vigilância e aplicação de medidas de conservação para dissuadir estes impactos, pode ser bastante complexa e por vezes inadequada. Particularmente, em águas internacionais e remotas, e principalmente por razões políticas e logísticas. Por sua vez, a atividade de pesca acontece por todo o planeta, tanto nas zonas económicas exclusivas (ZEE) como nas águas internacionais. É uma atividade com um profundo impacto nos ecossistemas marinhos, devido sobretudo à sobre-exploração das populações de peixes, remoção de espécies chaves do habitat e a captura acidental de vertebrados marinhos (p.e. baleias, tartarugas, albatrozes). Sendo necessário uma melhoria constante na gestão de pescas e recursos. A par destes fatores, um dos maiores problemas que se enfrenta ao nível da conservação marinha, é a pesca ilegal e não declarada, sobretudo nas águas internacionais. Ou seja, a falta de conhecimento e informação do barco de pesca que está a operar, e que quantidades e espécies estão a pescar/ser afetadas.
Face a isto, um grupo de investigadores, com o objetivo de aumentar a vigilância e deteção de pesca ilegal e não declarada numa vasta área do oceano austral, implementaram um pequeno aparelho tecnológico “logger”, nas costas de 169 indivíduos das espécies de albatrozes (Albatroz Viajante e Albatroz de Amesterdão) durante Novembro 2018 até Março 2019. A fim de detetarem os inúmeros barcos de pesca presentes nas ZEEs e nas águas internacionais.
Como?
1 – Os albatrozes são espécies que cobrem vastas áreas da superfície dos oceanos (milhões km2) e são altamente atraídos por barcos de pesca, conseguindo os detetar a 30km de distância.
2 – Os barcos de pesca deveriam usar sempre o designado Sistema Automático de Identificação (AIS), a fim de serem monitorizados. Contudo na pesca ilegal esse sistema está muitas vezes desligado. No entanto, todos os barcos emitem sinais de radar.
3 – São esses sinais que são depois detetados pelos “loggers” implementados nos albatrozes, e fornecem informações em tempo real do barco de pesca, incluindo a posição, e se tem ou não o AIS a funcionar corretamente.
De todo este processo, os 169 albatrozes do estudo, transmitiram mais de 5 mil deteções de radar. Como resultado, dentro das ZEEs francesas como o caso dos arquipélagos de Kerguelen e Crozet, não foram encontrados casos de barcos de pesca não declarados. No entanto, na ZEE da Ilha Amesterdão foram detetados 2 casos, e nas Ilhas do Príncipe Eduardo, todas as deteções de radar, mostraram que nenhum desses barcos tinha AIS em funcionamento. Já nas águas internacionais, pelo menos metade das deteções de radar não tinham AIS associado. Sendo a maior parte em águas subtropicais, onde grandes barcos asiáticos operam na pesca do atum. Muitos deles com transmissões irregulares e informação incompleta de identificação do barco.
Assim, este estudo veio mostrar que os albatrozes, assim como outras aves e espécies futuramente, poderão de facto funcionar como sentinelas dos oceanos, e ajudar a melhorar a nossa capacidade para vigiar áreas do oceano de difícil acesso, desde a deteção até à potencial ação dos navios da Marinha (Fig. 1). Permitiram detetar barcos com funcionamento incorreto nos sistemas de identificação obrigatórios, assim como a própria interação entre albatrozes e barcos de pesca. Desta forma, proporcionando duplo benefício tanto para a conservação das espécies como para o combate à pesca ilegal.
Atualmente a transmissão do conhecimento para a prática e implementação de medidas e políticas de conservação nem sempre é simples e imediata. Assim, este passo é um passo extremamente positivo, dos ainda muitos necessários, para uma melhor e mais eficaz conservação dos habitats e recursos marinhos.
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Fonte: Weimerskirch, Henri, et al. Ocean sentinel albatrosses locate illegal vessels and provide the first estimate of the extent of nondeclared fishing. Proceedings of the National Academy of Sciences 117.6 3006-3014, 2020. DOI: 10.1073/pnas.1915499117
Autor: José Abreu