Estratégias para reduzir competição entre espécies de lulas no Ártico

Competição entre espécies pode ocorrer quando estas ocupam o mesmo habitat e se alimentam de forma semelhante. Neste contexto, usa-se o termo ‘nicho ecológico’, i.e. o espaço multidimensional definido pela dieta dos organismos e o habitat que ocupam. O grau de semelhança entre nichos pode contribuir para entender o potencial de competição entre organismos, especialmente quando os recursos são escassos. Pouco se sabe sobre cefalópodes (p.e. lulas e polvos) em geral, apesar destes terem um papel muito importante como presas e predadores das redes alimentares marinhas. Dadas as atuais alterações climáticas e ambientais, que se sentem de forma mais intensa no Ártico, é importante compreender o papel dos cefalópodes na rede alimentar.

Um grupo de investigadores, incluindo os portugueses Dr. Filipe Ceia e Dr. José Xavier publicaram recentemente um estudo na revista Nature que analisa o potencial de competição entre as três espécies de lulas sepiola árticas Rossia palpebrosa, R. magaptera e R. moelleri. Estas foram coletadas nos mares de Kara e Barents e na Gronelândia de 2003-2019 dependendo da região. Os investigadores usaram os indicadores de redes alimentares carbono (δ13C) e azoto (δ15N) para inferir a dieta e nicho ecológico destas espécies. Os níveis destes isótopos podem ser medidos em tecido animal e indicam os recursos espaciais (δ13C; p.e. alimentam-se no fundo do oceano ou na coluna de água) e posição trófica (δ15N; papel na rede alimentar, p.e. consumidor primário, secundário).

As três espécies co-ocorrem, têm tamanhos semelhantes e alimentam-se próximo do fundo do oceano, principalmente em crustáceos, minhocas marinhas e peixe. Então como é que partilham o habitat para evitar competição? Aqui vai:

a) R. moelleri habita a coluna de água mais frequentemente;

b) R. megaptera e R. moelleri migram, enquanto que R. palpebrosa é mais sedentária;

c) R. megaptera e R. moelleri mostram diferenças distintas em tamanho corporal entre machos e fêmeas, e as fêmeas tendem a ocupar nichos ecológicos maiores do que os machos (i.e. as fêmeas são menos picuinhas com o que comem);

d) As dietas de R. megaptera e R. moelleri mudam menos entre regiões em comparação com a dieta de R. palpebrosa;

e) R. megaptera e R. palpebrosa comem mais crustáceos, enquanto que R. moelleri come mais peixe;

f) A dieta de R. palpebrosa e R. moelleri torna-se mais especializada (a.k.a. mais picuinhas) com a idade, enquanto que a dieta de R. megaptera se torna menos especializada;

g) R. palpebrosa e R. moelleri usam estratégias semelhantes para reduzir a competição dentro das respetivas espécies, o que difere de R. megaptera, i.e. as primeiras duas espécies favorecem indivíduos mais pequenos e os nichos ecológicos entre indivíduos de diferentes tamanhos sobrepõem-se, enquanto que R. megaptera favorece indivíduos maiores.

Dado que nenhuma destas características é partilhada entre as três espécies, as características em conjunto formam um padrão no qual cada espécie acaba por ter uma estratégia única de uso de recursos e de habitat.

E quais os efeitos das alterações climáticas nestas espécies? As espécies R. palpebrosa e R. moelleri provavelmente não vão ser afetadas uma vez que a primeira tem um nicho e tolerância térmica mais flexíveis e das três espécies é a que tem distribuição mais alargada no Ártico; e a segunda é uma espécie adaptada ao Ártico. No caso de R. magaptera, uma vez que esta habita águas mais quentes, as alterações climáticas podem criar melhores condições para a expansão do seu nicho no mar de Barents e fortalecer a sua vantagem no oeste da Gronelândia.

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Fonte: Golikov A V, Ceia FR, Sabirov RM, Batalin GA, Blicher ME, Gareev BI, Gudmundsson G, Jørgensen LL, Mingazov GZ, Zakharov D V, et al. 2020. Diet and life history reduce interspecific and intraspecific competition among three sympatric Arctic cephalopods. Sci Rep. 10:21506. doi: 10.1038/s41598-020-78645-z.

Autora: Sara Pedro

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