Alterações climáticas afetam predadores de topo do Ártico, como os narvais

As alterações climáticas estão a provocar mudanças em praticamente todas as regiões e ecossistemas. Particularmente no Ártico, o rápido degelo e aumento das temperaturas estão a alterar a distribuição e abundância dos organismos que constituem os níveis mais baixos da cadeia trófica, gerando um efeito de cascata que afecta toda a cadeia alimentar, desde o fitoplâncton até aos grandes mamíferos.

O narval (Monodon monoceros) é uma espécie de cetáceo que pode ser encontrada desde o Arquipélago Ártico Canadiano até à zona este da Gronelândia, Svalbard e zona oeste do Ártico russo. Esta é considerada uma das espécies de mamíferos marinhos endémicas do Ártico mais sensíveis às alterações climáticas, devido à sua seleção limitada de presas, padrões migratórios rigorosos e fidelidade ao habitat.

De forma a estudar o impacto das alterações climáticas na dinâmica das populações de narval, investigadores na Gronelândia seguiram a localização de 144 indivíduos desta espécie via satélite de 1993-2019 no Arquipélago do Canadá, Oeste e Este da Gronelândia, a qual relacionaram com a variação de temperatura da superfície marinha no mesmo período. Estes estudaram também a relação entre a abundância de narvais nas 17 localizações onde permanecem no verão (determinada em estudos anteriores) e a variação da temperatura da água do mar à superfície nestes locais.

Este estudo mostrou que existe maior abundância de narvais em locais onde a temperatura da água do mar é mais baixa, enquanto em regiões onde foi registado aumento da temperatura, as populações são menores. Outros estudos recentes revelaram grande abundância de narvais em locais onde, apesar de nao haver muita investigação conduzida nestes locais, havia muito poucos ou mesmo nenhum registo desta espécie. Os narvais evitam águas com temperaturas superiores a 2 °C, já que possuem um isolamento de gordura que evita perdas de calor corporal, assim como ausência de barbatana dorsal (ao contrário de outras baleias não endémicas do Ártico). Esta adaptação morfológica permite-lhes nadar em águas cobertas de gelo, mas torna-se uma desvantagem perante as alterações climáticas uma vez que não permite a dissipação de calor. Consequentemente, o aumento da temperatura da água do mar pode restringir a área de habitat dos narvais, pressionando algumas populações a deixarem os locais onde tradicionalmente habitam e a migrarem mais para norte, ou mesmo fazendo com que se extingam localmente. Contudo, a tendência de mudança de habitat pelos narvais é difícil de avaliar, pois algumas das populações fazem parte da caça de subsistência dos habitantes locais e são também alvo de predação por parte de predadores como a orca, o que influencia a dinâmica das populações.

Um estudo anterior realizado na baleia-da-gronelândia (Balaena mysticetus), nesta mesma região, aponta no mesmo sentido, o que sugere que os cetáceos do Ártico têm uma preferência térmica limitada. O aumento da temperatura da água do mar e o degelo levam também à alteração da sazonalidade, distribuição e abundância das suas presas. Assim, podemos concluir que este aumento da temperatura pode representar um grande desafio para estas espécies de mamíferos marinhos do Ártico.

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Fonte: Chambault, P., Tervo, O.M., Garde, E. et al. The impact of rising sea temperatures on an Arctic top predator, the narwhal. Sci Rep 10, 18678 (2020). https://doi.org/10.1038/s41598-020-75658-6

Autora: Diana Rodrigues

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