Durante o Inverno de 2021, vários eventos extremos de frio foram noticiados, principalmente na Ásia e América do Norte. No entanto, seria de esperar este tipo de eventos quando o aquecimento global, associado a uma maior frequência de eventos tais como ondas de calor ou precipitação intensa, é um fenómeno cada vez mais relevante?
O aquecimento global é desigual de acordo com diferentes regiões, sendo que o Ártico aquece a uma taxa duas vezes superior à média global. Este fenómeno, conhecido como Amplificação do Ártico (AA), está associado principalmente a uma redução do gelo marinho no verão, mas também a um aumento da cobertura de neve no Norte da Europa e Ásia entre outubro e janeiro.
Recentemente, a AA tem sido associada a invernos mais rigorosos nas latitudes médias, podendo ser uma das causas das ondas de frio registadas em janeiro e fevereiro de 2021, na Ásia, Europa e Estados Unidos. Por exemplo, no estado do Texas, este pode ter sido um dos fenómenos naturais mais dispendiosos de sempre pois a falta de preparação para condições de temperaturas mais baixas que o normal no sector energético levou a um corte do fornecimento de energia elétrica.
Mas como é que a AA está relacionada com eventos extremos nas latitudes médias durante o inverno? Uma das hipóteses está relacionada com o vórtice polar na estratosfera (camada acima da troposfera, entre 15 a 50 km de altitude). Este vórtice é composto por uma banda de ventos intensos na estratosfera que circulam em torno do Pólo Norte. Quando o vórtice está forte e estável, o ar frio fica confinado no Ártico e nas latitudes médias o ar mantém-se mais quente do que o normal. No entanto, quando o vórtice polar enfraquece, por exemplo devido ao aquecimento rápido da estratosfera, este pode deslocar-se para latitudes mais a sul ou dividir-se em dois. Na superfície terrestre, o enfraquecimento do vórtice tem como impactos o deslocamento de ar mais frio em direção às latitudes médias e de ar mais quente para o Ártico.
Um estudo recente nos Estados Unidos baseou-se na técnica de machine learning, que consiste na aplicação de algoritmos que permitem reconhecer padrões de forma automática, para compreender a relação entre alterações no vórtice polar e invernos extremos em latitudes médias. Assim, foram utilizadas reanálises (dados globais que contêm informação histórica da atmosfera, superfície terrestre e oceano) entre 1980 e o início de 2021, para identificar diferentes padrões da variabilidade do vórtice polar entre outubro e dezembro. Foram identificados diferentes padrões divididos em três classes: vórtice polar normal; vórtice mais intenso do que o normal (sistema de baixas pressões intenso), representando cerca de 39% dos dias; e vórtice menos intenso do que o normal (sistema de baixas pressões menos intenso), representando cerca de 38% dos dias.
Durante os últimos 40 anos tem-se notado uma maior frequência dos padrões menos intensos do que o normal, em simultâneo com uma menor frequência dos padrões mais intensos. Isto significa que há um maior número de eventos em que o vórtice polar está menos intenso, durante o outono e inverno, o que promove o deslocamento de ar mais frio para as latitudes médias. Como resultado, a AA pode estar relacionada com mais eventos de frio extremo nas latitudes médias durante o inverno. Se os padrões de vórtice polar enfraquecido continuarem a ser observados, é possível que no futuro haja uma maior frequência de eventos de frio extremo durante o inverno em regiões mais a Sul, onde as populações e infraestruturas não estão preparadas para este tipo de fenómenos.
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Fonte: Cohen J., Agel L., Barlow M., Garfinkel C. I. & White I. Linking Arctic variability and change with extreme winter weather in the United States. Science 373, 1116–1121 (2021). DOI: 10.1126/science.abi9167.
Autora: Carolina Viceto