Os recursos marinhos estão entre os recursos mais importantes para a humanidade e dos quais a demanda e procura irá continuar a aumentar, com o crescente aumento da população. Consequentemente, uma gestão efetiva e sustentável é essencial, assim como aprender com o passado. Muitas espécies de peixe foram ou são sobre exploradas, e consoante as suas características podem recuperar parcialmente, totalmente ou não recuperar dessa exploração excessiva.
No Oceano Antártico, a pesca é hoje bastante regulada e com medidas de gestão eficazes. Contudo nem sempre foi o caso, e nas décadas de 60 e 70, em ilhas como a Geórgia do Sul ou Kerguelen, existiu uma pesca muito intensiva, incluindo a pesca da nototénia marmoreada (Notothenia rossi). Esta espécie de peixe habita entre os 0 e 400 m de profundidade e atinge em média entre 50 a 70 cm comprimento. Na Geórgia do Sul, só entre 1969 e 1971 foram pescadas cerca de 500 mil toneladas desta espécie. Apesar de hoje se acreditar que este registo inclui outras espécies além de nototénia, esta quantidade continua a ser muito elevada. Adicionalmente, parte desta pesca era também ilegal e incorretamente reportada. Todos estes fatores ditaram o esgotamento do stock de nototénia, ou seja, a quantidade deste peixe no seu habitat natural durante estes anos diminuiu drasticamente, levando quase ao desaparecimento das populações locais desta espécie. Assim, a pesca à nototénia deixou de ser rentável como foi também proibida tanto na Geórgia do Sul como posteriormente no Oceano Antártico, fim ditado pela Comissão para a Conservação dos Recursos Vivos Marinhos da Antártica (CCAMLR).
Um estudo por parte de investigadores britânicos com base em dados de 23 anos de recolhas e prospeções de barcos de investigação, explorou como a população desta espécie se encontra decorridos 50 anos após a sua sobre-exploração e a que nível recuperou. Esta análise foi realizada com base em inúmeras variáveis, desde abundância, distribuição, tamanho, peso e idade dos peixes, o nível de maturidade sexual assim como a sua dieta.
População restaurada?
Os investigadores concluíram que a população de Nototénia marmoreada recuperou e restaurou de novo uma população saudável. No entanto, tal recuperação só começou a ser notável a partir de 2005, ou seja, apenas 35 anos depois da sobre-exploração. Terá demorado 3 a 4 gerações (6-8 anos por geração) para a população estabilizar e conseguir crescer gradualmente. Vários fatores estão associados a esta recuperação como à sua possível demora, tais como o claro facto da proibição de captura, a plasticidade da sua dieta (capaz de se adaptar a diferentes tipos e quantidades de presa, e ocupação de novas áreas onde há mais quantidade de presas. A demora de várias décadas para esta recuperação é atribuída em parte à tardia maturidade sexual nesta espécie, à recuperação dos lobos marinhos antárticos (Arctocephalus gazella) durante estas décadas que acabam por ser um forte predador. Adicionalmente, a possibilidade de o ecossistema de Geórgia do Sul não ter a mesma capacidade de albergar tamanha biomassa como ocorreu nos anos 60 e 70, devido às constantes mudanças ambientais que tem vindo a decorrer.
Assim, apesar dos erros de gestão do passado no Oceano Antártico, neste caso Geórgia do Sul, este estudo mostra como após a implementação de uma gestão baseada em dados científicos e medidas restritas a recuperação e estabelecimento de uma espécie no ecossistema é possível a longo termo, sendo este um modelo que pode servir de exemplo para outros locais.
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Fonte: Hollyman, Philip R., et al. “A long road to recovery: dynamics and ecology of the marbled rockcod (Notothenia rossii, family: Nototheniidae) at South Georgia, 50 years after overexploitation.” ICES Journal of Marine Science 78.8 (2021): 2745-2756. DOI: 10.1093/icesjms/fsab150
Autor: José Abreu