Aves Árticas refugiam-se das alterações climáticas nos fiordes e zonas de gelo

Com o impacto das alterações climáticas, muitas espécies vêem-se obrigadas a alterar os seus comportamentos e distribuições ao longo do tempo, devido à escassez de recursos naturais essenciais para a sobrevivência das populações. Em alguns casos, a abundância das espécies menos eficientes ao explorar recursos poderá diminuir, ou levar à própria extinção. Em especial, este impacto tem-se tornado mais evidente nas regiões polares, Ártico e Antártida, onde o clima tem sofrido as maiores mudanças ao longo das últimas décadas.

Por esse motivo, este estudo avaliou a distribuição e a ecologia alimentares de duas espécies de airo: o airo comum Uria aalge e o airo de Brünnich Uria lomvia. As duas espécies são bastante similares, sendo que o airo de Brünnich pode atingir um tamanho e envergadura superiores, e apresenta um bico mais curto e grosso relativamente ao airo comum. Enquanto o airo comum pode ser encontrado em zonas costeiras situadas a latitudes temperadas do oceano Atlântico e Pacífico, o airo de Brünnich pode ser mais facilmente encontrado ao longo das costas árticas da Europa, Ásia e América do Norte. A Islândia é então uma das regiões em que a distribuição das duas espécies de airo se sobrepõem e compreender como estas se estão a adaptar às mudanças no habitat torna-se crucial para melhor prever o futuro destas espécies.

Para o estudo, a equipa recorreu a técnicas de telemetria para obter dados GPS sob o habitat utilizado pelas espécies, ao monitorizar a deslocação de indivíduos enquanto procuram alimento. Os dispositivos GPS que foram colocados nas aves tinham um peso bastante reduzido de forma a não interferir com o seu comportamento. Os dados GPS foram registados durante um mês, coincidindo com o início da época de nidificação, e depois recolhidos aquando a recaptura dos indivíduos selecionados. Além disso, a equipa também recolheu cerca de 1ml de sangue para analisar o rácio dos isótopos estáveis de carbono e azoto nos glóbulos vermelhos. Através das diferenças nestes rácios podemos ter uma melhor perceção sobre o habitat utilizado pelos indivíduos, se mais costeiro ou mais pelágico, e relativamente ao nível que ocupam na cadeia alimentar, desde um produtor até um consumidor de topo. A análise teve também em conta alguns fatores ambientais como a temperatura da água.

A partir dos dados, a equipa descobriu que a abundância de ambas espécies variou de acordo com a temperatura da água registada, diminuindo em regiões com águas mais quentes como por exemplo no sul da Islândia. Esta diminuição foi particularmente evidente para o airo de Brünnich, uma vez que as suas populações têm diminuído desde os anos 90. A diminuição da abundância do airo de Brünnich está de acordo com as projeções em resposta às alterações climáticas. Percebeu-se também que as populações de airo de Brünnich se deslocaram mais para se alimentar em zonas de mar aberto e de gelo oceânico na região do Ártico. Este comportamento foi registado principalmente nas populações de Látrabjarg (Noroeste islandês) onde têm acesso a correntes de água polar, como a corrente da Groenlândia Oriental. Estes resultados foram também confirmados pelos isótopos estáveis de carbono que diferiram significativamente entre ambas as populações. Onde o acesso a estas zonas era difícil, as populações do airo de Brünnich tendem a refugiar-se nos fiordes islandeses que, devido à sua preservação de águas com temperaturas mais baixas, funcionam como refúgio para esta espécie.

Contrariamente ao esperado, os resultados deste estudo não evidenciaram nenhum efeito entre a abundância do airo comum e o airo de Brünnich face aos habitats utilizados por ambos. As assinaturas dos isótopos sugerem ainda que ambas as espécies possuem dietas similares. Por esse motivo, as condições ambientais são os principais fatores limitantes na distribuição geográfica destas aves. Em suma, os impactos das alterações climáticas na região da Islândia terão um impacto negativo em ambas as espécies, em especial no airo de Brünnich.

Bonnet-Lebrun, AS., Larsen, T., Thórarinsson, T.L. et al. Cold comfort: Arctic seabirds find refugia from climate change and potential competition in marginal ice zones and fjords. Ambio 51, 345–354 (2022).

Autor: Ricardo Matias

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