O Ártico não dorme no Inverno!

Os ambientes polares possuem condições de luz extremas, com a época de verão a ter períodos de 24 horas de sol, ocorrendo totalmente o oposto durante o inverno (noites polares)[1]. As espécies de zooplâncton[2] têm se adaptado à noite polar com diferentes estratégias para sobreviver, sobretudo tendo uma baixa atividade em comparação com as outras épocas do ano, contribuindo assim para a ideia de que o Ártico dorme no Inverno. Todavia, observações recentes de grande atividade biológica (incluindo alimentação, crescimento e reprodução) durante este período começaram a questionar esta ideia tradicional de inatividade durante a noite polar.

Os copépodes são um dos grupos de zooplâncton mais conhecidos do Ártico. Nesta imagem pode ser observada a espécie Calanus finmarchicus. Imagem de Russ Hopcroft.

Estudos das comunidades de zooplâncton durante a noite polar usam por norma equipamento que deteta indivíduos de grande tamanho, e por isso as espécies com um tamanho mais reduzido e larvas passam despercebidas nas análises. Como resultado, o conhecimento sobre estes indivíduos e o seu impacto no ecossistema é limitado. Sabe-se que os copépodes[3] contribuem na retenção de carbono em águas superficiais e são uma fonte importante de alimento para predadores acima na cadeia alimentar, durante o inverno. Deste modo, os investigadores deste estudo pretenderam descrever a estrutura da comunidade de zooplâncton no mar de Barents e nos arredores do arquipélago de Svalbard (70° a 81°N) durante a noite polar (em janeiro), com o objetivo de melhor entender a história de vida dos copépodes do Ártico.

Foram identificadas um total de 75 espécies. Os copépodes dominaram a comunidade de zooplâncton tanto em abundância como em biomassa, e, dentro destes, houve uma dominância significativa de indivíduos de tamanho reduzido (gráfico abaixo). Com base na composição das suas fases de vida foram destacadas três estratégias invernais: (1) Calanus spp. passa o inverno numa fase imatura tardia, aproveitando os recursos do outono para as larvas se desenvolverem e criarem alguma resistência, esperando pela primavera para atingirem a idade adulta e continuarem o seu ciclo; (2) Microsetellanorvegica passa o inverno em fase adulta, o que pode ser vantajoso na preparação para a produção de ovos assim que a primavera chega; (3) por último, Pseudocalanus spp. reproduzem-se durante o inverno (embora com baixa produção de ovos), acreditando-se que para esta espécie o inverno é usado maioritariamente para o crescimento e desenvolvimento, dada a baixa presença de eventuais predadores.

A reprodução durante o Inverno pode ser uma estratégia para assegurar a sobrevivência das fases mais juvenis, num período onde tanto a pressão da predação como a competição com outras larvas é reduzida, mesmo que a disponibilidade de alimento seja baixa e que contribua para o risco de morte. Ainda que o Inverno seja uma época de atividade reduzida para muitas espécies de zooplâncton, algumas podem usar esta adaptação, impulsionando a reprodução antes da época invernal, produzindo grandes abundâncias de copépodes juvenis e larvas planctónicas que conseguem assim sobreviver sem grandes perigos até à fase adulta. Esta observação contribui assim para que a Noite Polar seja vista como um período de descanso para os copépodes, mas em grande abundância.

O Ártico pode ficar mais calmo no Inverno, mas não dorme à espera que o sol regresse!

[1] Noites polares: A noite polar ocorre quando a noite dura as 24 horas do dia. É um fenómeno ocorrente nas regiões polares.
[2] Zooplâncton: Conjunto de organismos aquáticos sem capacidade de gerarem a sua própria energia. Apresentam pouca locomoção e vivem dispersos na coluna de água.
[3] Copépodes: São um grupo de crustáceos que fazem parte do zooplâncton, com tamanhos entre os 1 e 5 mm de comprimento.

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Fonte: High abundances of small copepods early developmental stages and nauplii strengthen the perception of a non-dormant Arctic winter. Barth-Jensen, C., Daase, M., Ormańczyk, M. R., Varpe, Ø., Kwaśniewski, S., & Svensen, C. Polar Biology, 45(4), 675–690 (2022). https://doi.org/10.1007/s00300-022-03025-4

Autora: Débora Carmo

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