Gasto energético num Ártico mais quente

As alterações climáticas são um dos fatores com influência na estrutura das redes tróficas. A questão deste mês é: Será que os animais têm a capacidade necessária para ajustarem o seu comportamento e gasto energético, com base nos recursos disponíveis, sem alterarem a sua aptidão física? Num Ártico que está a aquecer a uma velocidade superior a qualquer outra região do planeta, os seus organismos servem de modelos para entender as implicações biológicas derivadas das alterações climáticas.

Os autores deste estudo analisaram a plasticidade do gasto energético diário (DEE) de uma ave marinha do Ártico, a torda-anã (Alle alle), em resposta à temperatura superficial do mar (SST) e cobertura de gelo do verão (SIC), que por sua vez afetam a disponibilidade de copépodes, o seu principal alimento. Para tal, foram feitas medições em colónias localizadas no Este da Gronelândia e no Sudoeste de Spitsbergen, em Svalbard. Para além disso, as características bioenergéticas também podem ser influenciadas por exposição a substâncias químicas, e como tal testaram a sua resposta à presença de mercúrio, tipicamente libertado no Ártico com o derretimento de permafrost (1).

Em espécies de aves, o DEE durante a época reprodutiva costuma ser cerca de 4 vezes a taxa metabólica basal (BMR, 2), com um limite superior de 7x BMR, sendo a BMR de tordas-anãs cerca de 1.09KJ por dia, por grama de massa corporal. Na Gronelândia, os custos elevados de voo associados a baixo SIC e alto SST levaram o DEE de abaixo de 4xBMR para acima desse valor, sem atingir o limite superior. Já em Svalbard, o DEE foi mais elevado, associado a um maior investimento no mergulho à procura de alimento (Figura 1). Os valores observados são típicos da sua época reprodutiva, não havendo evidência de gasto energético insustentável associado à SST, SIC e exposição a mercúrio.

Figura 1. Relação entre o gasto energético diário (DEE) da torda-anã e a temperatura superficial do mar (SST), em três locais (Gronelândia: Ukaleqarteq; Svalbard: Hornsund e Kongsfjorden). As linhas horizontais pontadas indicam os valores DEE correspondentes a 4x BMR e 7x BMR (taxa metabólica basal).

As tordas-anãs demonstraram plasticidade em gerir o seu uso energético perante a oscilação de condições oceânicas e disponibilidade de alimento. Estratégias para manutenção da ingestão de alimento incluem o aumento to tempo e área na procura de alimento e alteração da época de reprodução para acompanhar os picos de recurso disponível. No entanto, espécies com amplitudes energéticas mais restritas podem apresentar menos plasticidade. Além disso, a modelação de cenários futuros sugere um aumento contínuo da SST, o que poderá ameaçar a capacidade física destas aves.

Compreender os limites e trocas energéticas de várias espécies num contexto de variabilidade ambiental deve ser uma prioridade em pesquisas futuras. As tordas-anãs são verdadeiros engenheiros ecossistémicos, auxiliando a transferência de nutrientes entre os ambientes terrestre e marinho. Como tal, alterações na dinâmica destas populações devido a uma possível insustentabilidade do gasto energético diário podem resultar em efeitos cascata para os ecossistemas.

(1) Permafrost = Camada do subsolo da crosta terrestre que está permanentemente congelada.

(2) Taxa metabólica basal = Quantidade de energia necessária para a manutenção das funções vitais de um organismo ao longo de 24 horas, medida em calorias.

Autora: Débora Carmo

Referência: Grunst, M. L., Grunst, A. S., David, G., Kato, A., Bustamante, P., Albert, C., Brisson-Curadeau, E., Manon, C., Cruz-Flores, M., Gentès, S., Grissot, A., Perret, S., Eric, S.-M., Jakubas, D., Wojczulanis-Jakubas, K., & Fort, J. (2023). A keystone avian predator faces elevated energy expenditure in a warming Arctic. Ecology, March, 1–12. DOI: https://doi.org/10.1002/ecy.4034

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