A cobertura de neve das regiões polares é uma componente importante do sistema climático global, não só porque modifica fluxos de energia e de humidade entre a superfície do solo e a atmosfera, mas também por atuar como uma reserva de água nos sistemas hidrológicos. Ao longo dos últimos anos, diversos estudos afirmaram a diminuição da espessura da neve nos polos e avaliaram as consequências dessa variação num futuro próximo.
Estas alterações podem possuir efeitos importantes nos ecossistemas, especialmente quando a variabilidade espacial da cobertura é elevada, influenciando as condições biogeoquímicas (exemplos: humidade, temperatura, nutrientes) do solo subjacente, bem como a vegetação e a luz. Deste modo, controla também a distribuição das espécies, a duração da fase de crescimento e a fenologia das mesmas.
O estudo em destaque este mês foi realizado na ilha Signy, na Antártida (Fig. 1), onde a espessura da neve e a distribuição da área foram monitorizadas com a utilização de uma câmara de lapso de tempo, numa grelha 15 x 20 metros durante um período de 8 anos (2009-2017).

Os resultados confirmaram a elevada variabilidade espacial e temporal do manto de neve. Durante o período de estudo, a profundidade média anual da neve variou entre 5,6 cm (2017) e 11,1 cm (2012), enquanto o máximo da profundidade média diária da neve em toda a grelha variou entre 17,1 cm (2017) e 50,1 cm (2015). Embora não tenha sido visível qualquer tendência temporal, foi observada uma forte correlação com a temperatura média anual do ar, sugerindo que um possível aquecimento futuro poderá diminuir a profundidade da neve na zona.
Além disso, foi também possível verificar a presença de vegetação como bioindicador da espessura da neve, em conformidade com estudos realizados anteriormente.
Por exemplo, a vegetação dominada por Andreaea spp. está associada a uma cobertura de neve mais fina, sendo que esta comunidade de musgos almofadados ocorre em habitats expostos, secos a húmidos, com fornecimento intermitente de água após o fim da fusão da neve na primavera. Já na cobertura de neve mais espessa, encontra-se uma comunidade de musgo dominada por Sanionia uncinata, a qual requer uma maior disponibilidade de água, com ocorrência em habitats mésicos e hídricos.
Foi observado que a vegetação de líquenes dominada por Usnea está limitada a áreas com baixa cobertura de neve, pelo que se pode confirmar que esta formação vegetal pode ser indicadora de zonas com baixa acumulação de neve. Para além disso, a sua presença está associada a uma fusão mais precoce da neve, (Fig. 2 – C), uma vez que a estrutura, cor e propriedades térmicas favorecem essa fusão precoce e atrasam a acumulação de neve.

Estes dados demonstram a importância da microtopografia e da direção do vento, bem como o tipo de cobertura do solo (vegetação), nos padrões de cobertura de neve, uma vez que estes fatores influenciam os processos de acumulação, redistribuição e ablação da neve. Salienta-se também a importância da monitorização espacial da acumulação de neve a uma pequena escala física, a fim de prever os efeitos futuros das alterações climáticas em ecossistemas terrestres sensíveis da Antártida.
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Referência: Tarca, G., Guglielmin, M., Convey, P., Worland, M. R. & Cannone, N. Small-scale spatial–temporal variability in snow cover and relationships with vegetation and climate in maritime Antarctica. Catena vol. 208 105739 (2022). DOI: 10.1016/j.catena.2021.10573
Autora: Márcia Dias