Anfíbios antárticos: Um olhar para o passado

Apesar de limitada em tamanho, a Antártida possui áreas livres de gelo que desempenham um papel crucial na compreensão da história antiga desta região. Fósseis encontrados nessas regiões revelam informações sobre o clima e formas de vida diversas que outrora prosperaram lá. Portanto, essas áreas fornecem uma janela para o passado do continente, ajudando os cientistas a reconstruir como o clima e a biodiversidade dos ambientes antárticos se transformaram ao longo de milhões de anos. Além disso, o estudo dessas áreas livres de gelo pode fornecer informações sobre como esses ambientes evoluíram e se adaptaram às condições ambientais em constante mudança.

Durante expedições nos verões austrais de 2011, 2012 e 2013, um grupo de pesquisadores argentinos e suecos fez uma descoberta interessante na Ilha Seymour, na Península Antártica (64°14’S, 56°37’O). A equipa encontrou os restos de uma criatura parecida com um sapo em amostras de sedimentos do período Eoceno, datadas de cerca de 40 milhões de anos atrás (Figura 1). Os restos consistiam em um ílio fossilizado, que pode ser atribuído a um lissanfíbio, ordem Anura, e um osso craniano esculpido, que provavelmente pode ser atribuído a um anuro hiperossificado (Figura 2). Essas amostras foram então transportadas, e várias fotos foram tiradas com equipamento especializado para criar um modelo 3D dos fragmentos ósseos e uma análise detalhada. Os restos podem ser encontrados no Museu Sueco de História Natural, em Estocolmo, onde estão armazenados até hoje.

Figura 1. Esquema da escala de tempo geológico (esquerda) e um mapa de como o Continente Antártico pareceria durante os períodos Paleogéneo e Eoceno (direita). Os círculos vermelhos indicam a localização onde a Ilha Seymour estaria. Crédito da imagem para abordagem criativa de Ray Troll (esquerda) e Reguero et al. (2013) (direita).

Com base nas características dos fósseis, os espécimes foram atribuídos ao género sul-americano Calyptocephalla, da família Calyptocephalellidae, também conhecidos como “sapo de capacete”. Fósseis de anfíbios desta família são amplamente conhecidos desde os finais do Cretáceo na Patagónia, tendo estes se extinguido na Patagónia Argentina durante o Mioceno, provavelmente devido ao surgimento dos Andes que levou a uma diminuição da humidade. Essa hipótese é apoiada pela sobrevivência desta família até os dias atuais em um refúgio temperado e húmido nos Andes chilenos centrais. A Figura 3 ilustra como o ambiente seria há 40 milhões de anos na Península Antártica. Além disso, essa descoberta apoia o cosmopolitismo de Gonduana, que se refere à distribuição generalizada de certos organismos por diferentes continentes que eram parte do supercontinente Gonduana.

Figura 2. Imagens dos fósseis de um ílio (esquerda) e osso craniano (direita) de um anuro. Crédito da imagem para o artigo apresentado neste texto.

Figura 3. Reconstrução do ambiente Eoceno em que o sapo com capacete Calyptocephalla habitava. Crédito da imagem para o artigo apresentado neste texto.


Referência: Mörs T., Reguero M., & Vasilyan D. (2020) First fossil frog from Antarctica: implications for Eocene high latitude climate conditions and Gondwanan cosmopolitanism of Australobatrachia. Scientific Reports 10: 5051. DOI: https://doi.org/10.1038/s41598-020-61973-5

Autor: Ricardo Matias

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