A grande maioria da população humana não conhece e provavelmente nunca ouviu falar da espécie krill antártico (Euphasia superba). Contudo esta pequena espécie marinha é designada por muitos cientistas como a mais importante na cadeia alimentar do Oceano austral, o oceano que circunda todo o continente antártico. O Krill é um pequeno crustáceo, como um “mini-camarão” (figura 1), contudo estima-se que a sua biomassa esteja entre os 300 e 500 milhões de toneladas, o que o torna na maior biomassa de qualquer espécie multicelular no planeta. A parte do sector atlântico do oceano austral é onde reside 70%.
Assim, tanto devido à sua enorme quantidade, como os altos valores energéticos que contem (ex.: ómega-3) o krill é das principais presas para inúmeras espécies antárticas que conhecemos, desde os pinguins, focas, baleias, peixe e tantas outras espécies de albatrozes e petréis. Em algumas destas espécies o krill pode mesmo representar mais de 70% da dieta. A sua importância ecológica é assim inegável neste grande ecossistema.
Por último, e como referenciado acima, o krill é um animal com características também bastante beneficiadoras para o próprio ser humano através de fármacos, como para outras das suas atividades através de rações ou fertilizantes naturais. Desta forma, existe uma pesca muito ativa, tornando a sua gestão laboriosa e altamente especial.
A pesca ao Krill existe há mais de 50 anos, principalmente em torno da Península Antártica, dos arquipélagos da Shetland do Sul, Orkney do Sul e Geórgia do Sul. Inicialmente mais focada durante o verão, progrediu maioritariamente para operar no inverno: uma medida com o objetivo de evitar a competição entre a pesca e os predadores durante a época de reprodução.
A sua gestão é levada a cabo pela Comissão para a Conservação dos Recursos Vivos Marinhos Antárticos (CCAMLR), que tendo como base os surveys de biomassa, ou seja, uma amostra representativa da potencial biomassa em determinada aérea, estipula depois uma quota máxima de krill. Como prevenção e foco de sustentabilidade a CCAMLR referencia que 75% da biomassa original seja mantida.
Então o quão difícil pode ser esta gestão?
Grande parte da discussão sobre a gestão da pesca de krill na CCAMLR tem-se centrado na proteção dos predadores de krill que se reproduzem em terra e nas operações de pesca.
Por outro lado, nos últimos tempos, tem havido relativamente pouca discussão sobre os riscos que a pesca representa para a própria população de krill. A visão de sustentável até hoje, é agora desafiada pelos elevados níveis de variabilidade observados nos índices disponíveis de abundância de krill, principalmente nas últimas duas décadas, que variam em grandeza e no espaço crescente da pesca, resultando em que impactos locais substanciais.
Apesar de o ciclo de reprodução ser consideravelmente conhecido e estudado, o krill é bastante dependente tanto das correntes oceânicas como dos locais e condições ambientais onde os juvenis se conseguem desenvolver. E é aqui que hoje reside o problema. Com as presentes alterações climáticas e o decréscimo cada vez mais forte de gelo do mar, crucial no seu desenvolvimento, o recrutamento de krill tem variado fortemente entre anos, e espera-se que isso se reflita posteriormente na biomassa disponível. Muitos dos surveys anteriores foram realizados sobretudo no verão, deixando uma lacuna do seu ciclo na fase invernal. A própria pesca evoluiu bastante e é hoje muito mais concentrada tanto espacialmente como no tempo, tendo impactos muito mais repentinos na população. Adicionalmente este decréscimo de gelo do mar abre novas áreas disponíveis à indústria da pesca, o que gera ainda mais pressão.
A chave reside assim na compreensão do ciclo de reprodução e desenvolvimento do krill com as presentes condições ambientais e futuras prospeções. Tanto a ciência como a indústria pesqueira devem trabalhar par a par, de modo a termos o valor mais real da total biomassa de krill, e assim ajustarmos e aplicarmos melhores medidas. Para que deste modo, os benefícios para os humanos nunca corrompam a importância ecológica e biológica que esta fantástica espécie tem para o oceano austral e toda a região Antárctica.
Autor: José Abreu
Referências: Meyer, B., Atkinson, A., Bernard, K.S. et al. Successful ecosystem-based management of Antarctic krill should address uncertainties in krill recruitment, behaviour and ecological adaptation. Commun Earth Environ 1, 28 (2020). DOI: 10.1038/s43247-020-00026-1