Há alguns meses atrás colocaram-nos uma questão: O que quer Portugal com a Antártida?
Afinal de contas, Portugal situa-se no hemisfério norte, a milhares de quilómetros do pólo sul. Quando e como é que a ligação entre os dois surgiu? Venham connosco andar atrás no tempo.
Na época dos descobrimentos marítimos foram renovadas muitas ideias que estavam desatualizadas. De facto, os portugueses e os espanhóis contribuíram para o conhecimento geográfico do globo. Para tal, protagonizaram uma acérrima competição que resultou também no descobrimento de novas rotas comerciais e territórios por parte dos europeus.
Um dos grandes feitos desta época foi a circum-navegação do globo terrestre. Esta proeza foi feita por um Português, Fernão de Magalhães, que ao serviço da coroa espanhola conseguiu dar a volta ao mundo de barco. Esta aventura começou em 1519 e, ainda que Fernão de Magalhães tenha morrido no caminho em 1521, foi o primeiro navegador a atravessar o estreito entre o continente americano e o continente Antártico, hoje conhecido por Estreito de Magalhães. Este feito teve uma grande importância na maneira como a região do hemisfério Sul era compreendida. O continente Antártico era, até então, desconhecido, apenas idealizado como uma contra parte do pólo Norte. Proposto na Antiguidade grega por Aristóteles (4 aC) e Ptolomeu (1 dC) este pedaço de terra era apelidado de Terra Austral Incognita, ou seja, terra desconhecida do Sul. Após a passagem pelo Estreito de Magalhães ter sido cartografada, a zona Antártica foi revista e ganhou o nome de “Magellanica” homenageando o navegador português preenchendo o vazio de conhecimento até então. Magellanica passou a ser incluída nos mapas cartográficos até ao século 18 (Figura 1).
Mais tarde, no século XVIII, o Capitão britânico James Cook descobriu uma grande abundância de pinípedes na ilha da Geórgia do Sul, na região sub-Antártica. Iniciou-se então a caça a espécies de pinípedes, como valioso recurso vivo marinho. Nas viagens de regresso ao hemisfério Norte, um dos principais portos intermediários situava-se em Macau, cuja administração era portuguesa.
Os leões marinhos (Arctocephalus spp.) foram as primeiras espécies de interesse comercial devido à sua pele, e após a sobre-exploração das suas populações, o Elefante marinho do sul (Mirounga leonina) tornou-se o alvo principal, para a utilização do seu óleo. As viagens de regresso, com destino típico à Inglaterra e aos Estados Unidos da América, eram longas e requeriam uma quantidade significativa de sal para preservar os recursos vivos capturados. Como solução, as embarcações realizavam paragens nas ilhas dos Açores, Madeira e Cabo Verde, onde as terras eram áridas, com uma grande disponibilidade de sal, além de disporem de equipas prontas a serem recrutadas.
Alguns comentários de navegadores mencionam o preço acessível da comida das ilhas portuguesas e da lealdade das pessoas recrutadas localmente, que demonstravam grande interesse em navegar sob a bandeira americana. Por exemplo, alguns dos alimentos fornecidos pela Ilha das Flores incluíam batatas, cebolas, abóboras e aves de criação. No entanto, o registo de nomes de cidadãos portugueses presentes nas embarcações é escasso, pois, segundo um comentário de um biólogo britânico, existia uma dificuldade por parte dos oficiais americanos ao soletrar corretamente nomes portugueses, pelo que na maioria das vezes, o nome era escrito de maneiras diferentes, de forma ilegível, ou até ‘americanizado’.
Nas viagens realizadas às ilhas pertencentes ao continente Antártico, está com grande frequência registrada a presença de pelo menos um recruta português na embarcação. As ilhas visitadas incluem: as Ilhas Príncipe Eduardo, Ilhas Crozet, Ilhas Kerguelen, Ilhas Amsterdão e de São Paulo, Ilha Heard, Ilha Macquarie, Ilhas Auckland, Ilhas Shetland do Sul, Ilha Geórgia do Sul e Ilha Gough (Figura 2).
A caça aos pinípedes na Antártida terminou no início do século XX. Desde então, em 1984, Portugal juntou-se à SCAR (Comité Científico de Investigação da Antártida) e implementou uma estação científica, a Comandante Ferraz, na Ilha do Rei Jorge. O envolvimento mais recente de Portugal na investigação Antártica intensificou-se durante os anos polares de 2007-09. Desde o início dos anos 2000, Portugal faz também parte dos países aliados a organizações diplomáticas e equipas de investigadores que coordenam atividades referentes à caça de pinípedes e mamíferos marinhos nas regiões polares. Em 29 de Janeiro de 2010 Portugal assinou o Tratado da Antártida.
Os cidadãos de Portugal estiveram durante séculos diretamente envolvidos com o continente da Antártida, desde as descobertas marítimas, com a navegação e exploração de território, até ao período de caça de animais como os leões marinhos, elefantes marinhos e baleias. A razão para o seu envolvimento prende-se pelo povo e património marítimo únicos de Portugal, que se tornaram, e continuam a ser, elementos indispensáveis do pólo sul.
Fonte: Headland RK. Portugal in Antarctic History (2022). Polar Record 59(e11): 1–9. https://doi.org/10.1017/S0032247422000353
Autores: Débora Carmo, Graça Sofia Nunes e Santiago Villalobos