Bacalhau da Antártida: Um bioindicador?

Elementos vestigiais e elementos raros terrestres, compostos presentes no ambiente marinho, são predominantemente transferidos através da dieta dos organismos. Dada a importância do alimento proveniente do mar como fonte de nutrientes essenciais para os humanos e os diversos riscos para a saúde associados a desequilíbrios destes elementos, torna-se crucial medir as suas concentrações nos organismos.

O bacalhau da Antártida (Dissostichus mawsoni), um predador de topo de vida longa do Oceano Antártico, é pescado anualmente na região. Devido às suas características biológicas e ecológicas, D. mawsoni está suscetível a acumular altas concentrações de elementos vestigiais, tornando-se num potencial bioindicador para as concentrações tanto de elementos vestigiais como de elementos raros no ecossistema de águas profundas do Oceano Antártico.

Considerando o interesse comercial da espécie, os autores deste estudo abordaram de que forma é que o bacalhau da Antártida pode ser uma boa fonte de nutrientes para os consumidores, explorando também se os diferentes elementos vestigiais podem ser utilizados para determinar a origem da espécie. Para isso, foi determinada pela primeira vez a concentração de 27 elementos vestigiais e raros terrestres em amostras do músculo da espécie D. mawsoni, capturadas em três áreas dos mares de Amundsen e Dumont D’Urville na Antártida (Figura 1).

Figura 1: Resumo gráfico que ilustra as metodologias do estudo para a avaliação de elementos vestigiais e raros no bacalhau  da Antártida (Dissostichus mawsoni).

Como esperado, o estudo revelou que os elementos essenciais fundamentais, especialmente o potássio (K), exibiram as concentrações mais elevadas, enquanto que os elementos raros registraram os níveis mais baixos no músculo. Do mesmo modo, foram observadas diferenças entre as áreas de estudo, indicando que a concentração destes elementos nesta espécie varia geograficamente e em zonas de pesca adjacentes, com níveis mais altos identificados em indivíduos presentes na plataforma do Mar de Amundsen. Os autores sugerem que as disparidades possam estar relacionadas com variações na dieta da espécie, diferenças na composição da água do Oceano Antártico e tendências contrastantes nas alterações ambientais, que influenciam a incorporação de alguns elementos no ambiente.

Adicionalmente, ao serem utilizados os comprimentos dos otólitos [1] como uma medida para o tamanho do peixe e os valores de δ15N [2] como um indicador da posição trófica no estudo, não foram encontradas evidências de bioacumulação destes elementos no músculo de D. mawsoni. Pelo contrário, as concentrações tendem a diminuir com o tamanho do peixe, sugerindo possíveis influências de um efeito de diluição ao longo do tempo, variações no metabolismo e conteúdo lipídico entre peixes mais jovens e adultos, ou fatores relacionados com o habitat. Para além disso, a ausência de correlações significativas com os valores de δ15N indica a inexistência de potencial de biomagnificação [3] nestas cadeias alimentares.

A avaliação posterior da potencial função de desintoxicação do selénio (Se) para o mercúrio (Hg) na espécie D. mawsoni foi significativa, especificamente quando as concentrações de mercúrio atingem níveis que podem ser prejudiciais para o organismo. Isto indica que o selénio pode desempenhar um papel crucial na proteção da Marlonga da Antártida contra os efeitos adversos de níveis elevados de mercúrio.

Assim, de acordo com estes resultados, D. mawsoni destaca-se não apenas como bioindicador para as concentrações dos diferentes elementos vestigiais e raros terrestres no Oceano Antártico, revelando-se também como uma boa fonte de elementos essenciais fundamentais para os humanos, com concentrações superiores a algumas outras espécies de peixes marinhos de todo o mundo.

Definições:

[1] Otólitos: Estruturas rígidas de carbonato de cálcio localizadas diretamente atrás do cérebro de peixes ósseos.

[2] δ15N: Isótopo estável de nitrogénio que permite estimar a posição trófica dos consumidores na cadeia alimentar.

[3] Biomagnificação: Aumento da concentração de uma substância nos tecidos de um organismo em níveis mais elevados da cadeia alimentar.


Referência: Queirós, J. P., Machado, J. F., Pereira, E., Bustamante, P., Carvalho, L., Soares, E., Stevens, D. W., & Xavier, J. C. (2023). Antarctic toothfish Dissostichus mawsoni as a bioindicator of trace and rare earth elements in the Southern Ocean. Chemosphere, 321, 138134. https://doi.org/10.1016/j.chemosphere.2023.138134

Autora: Maria Soares

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