Como é que aqui chegaram?

O Oceano Antártico, que circunda a Antártida, possui ventos e correntes predominantemente ocidentais, e contém enumeras ilhas oceânicas isoladas. A sua paisagem biológica tem intrigado há muito os investigadores devido à sua suscetibilidade a mudanças climáticas de larga escala. Ao longo da história, variações climáticas, especialmente durante os ciclos glaciais-interglaciais, como os da Era Glaciar do Pleistoceno, têm provocado mudanças significativas na distribuição das espécies em várias regiões globalmente.

Eventos de degelo pronunciado fornecem oportunidades ecológicas significativas para as espécies sobreviventes. Estudos genéticos sugerem que algumas espécies altamente dispersivas, como a foca-elefante do Sul, tiveram respostas rápidas a estas mudanças, colonizando rapidamente habitats recém-disponíveis após o degelo, mas foram posteriormente erradicadas com o regresso das calotes de gelo.

O Pintarroxo, um grupo rico de aves marinhas encontrado no Oceano Antártico, apresenta um caso convincente para compreender a dinâmica evolutiva e biogeografia das espécies nesta região. Com a sua distribuição circumpolar que engloba numerosas ilhas isoladas, o Pintarroxo oferece valiosas informações sobre o impacto das mudanças climáticas na dispersão e especiação das espécies.

Figura 1: História evolutiva de pintaroxos (Leucocarbo spp.) no Oceano Antártico. O mapa mostra supostas rotas de colonização pós-glacial (setas). A extensão do gelo marinho de inverno (padrão cruzado) e da área terrestre (verde-escuro) durante o Último Máximo Glacial do Pleistoceno, 29–19 Ma, é indicada. A rápida expansão circumpolar e as hipóteses de especiação do fundador são suportadas por reconstruções filogenéticas temporais e biogeográficas ancestrais. A árvore filogenética calibrada no tempo é derivada de 8,2 quilobases de dados de sequência de DNA (cinco genes mitocondriais e cinco nucleares) com Nannopterum como grupo externo. As barras dos nós na filogenia correspondem a 95% HPD dos tempos de divergência conforme indicado na barra de escala (milhões de anos antes do presente). As cores e abreviações são as seguintes: Laranja: América do Sul; Roxo/Vermelho: Ilhas Sub-Antárticas a altas latitudes; Amarelo: Península Antártica; Azul: região da Nova Zelândia; Azeitona: América do Norte; Verde-escuro: América do Sul; FA: Falkland/Malvinas Islands; SA: South America; SG: South Georgia; SO: South Orkney Islands: AP: Antarctic Peninsula; MA: Marion Island; CZ: Crozet Island; HE: Heard Island; MQ: Macquarie Island; KG: Kerguelen Island; CA: Campbell Island; AU: Auckland Island; NZ: Mainland New Zealand; ST: Stewart Island; CH: Chatham Islands; BO: Bounty Islands; N: North America; NS: North and South America. Cores das clades e das setas: Laranja: América do Sul, Geórgia do Sul, Ilhas Orkney do Sul; roxo: Península Antártica, ilhas subantárticas de alta latitude; azul: região da Nova Zelândia

A biogeografia dos pintarroxos pode ser representativa de taxa com características de dispersão tanto altamente quanto pouco dispersivas ao mesmo tempo. Embora exibam uma ampla distribuição pelas ilhas da Antártida, como as espécies altamente dispersivas, também demonstram elevados níveis de endemismo, dentro de cada ilha, típicos de táxons menos dispersivos. Esta situação paradoxal levanta questões sobre os mecanismos que impulsionam a especiação nessas aves, o que motivou este estudo.

Ao realizar análises genéticas, os autores descobriram que os pintarroxos têm uma história evolutiva notavelmente curta entre linhagens endêmicas que se reproduzem em ilhas dispersas pelo vasto Oceano Austral. Sugerindo eventos de radiação recentes, provavelmente influenciados por flutuações climáticas, como as que ocorreram durante o final do Pleistoceno (Figura 1).

Os padrões filogeográficos observados nos pintarroxos sugerem múltiplas ondas de dispersão da América do Sul para diferentes regiões, incluindo o subantártico e a Nova Zelândia. Acredita-se que os taxa na região da Nova Zelândia descendem de uma onda de migração precedente, mais tarde limitada devido a um novo período glacial, enquanto aqueles no subantártico provavelmente colonizaram mais recentemente, quando a cobertura de gelo marinho recuou novamente, permitindo essas migrações (Figura 1).

Além disso, evidências genéticas sugerem que muitos taxa de pintarroxo surgiram através da especiação por “eventos de fundador”, onde as populações descendem de apenas um pequeno número de indivíduos fundadores. Isso destaca a importância de processos estocásticos na formação da diversidade genética e distribuição das aves marinhas do Oceano Antártico.

No geral, o Pintarroxo serve como um modelo fascinante para estudar a interação entre história evolutiva, mecanismos de dispersão e fatores ambientais na formação da distribuição e diversidade de espécies no Oceano Antártico.


Referência: Rawlence, N. J., Salis, A. T., Spencer, H. G., Waters, J. M., Scarsbrook, L., Mitchell, K. J., & Kennedy, M. (2022). Rapid radiation of Southern Ocean shags in response to receding sea ice. Journal of Biogeography49(5), 942-953.

https://doi.org/10.1111/jbi.14360

Autor: Lucas Bastos

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