A presença de plásticos nas regiões polares tem vindo a ser comprovada por várias equipas de investigação a nível internacional. Mesmo no Ártico e na Antártida, a presença de plásticos foi observada em sedimentos, água do mar e gelo oceânico, levando a efeitos negativos para a delicada fauna polar, como peixes e zooplankton. Na verdade, um estudo recente liderado por cientistas da Universidade de Coimbra e do MARE – Centro de Ciências do Mar e do Ambiente, relataram pela primeira vez a presença destes na dieta de pinguins. Entretanto mais estudos vieram comprovar a presença de microplásticos na dieta de outros organismos antárticos, evidenciando que um local tão remoto como a Antártida não está livre dos perigos da poluição marinha causada pelo Homem. Para além disso, é sabido que o plástico tem não só impactos diretos (p.e. morte por ingestão ou estrangulamento) como também impactos indiretos, ao constituir um veículo de poluentes na água do mar para os organismos. Pelo seu impacto tão negativo, a preocupação acerca da poluição marinha tem crescido consideravelmente nos últimos anos.
Este mês partilho um estudo recente que chamou a minha atenção pela sua globalidade. Intitulado “Chuva plástica em áreas protegidas dos Estados Unidos” e liderado por equipas de investigação norte-americanas, o artigo promove políticas e práticas mais sustentáveis ao discutir o impacto da chuva na deposição de partículas microplásticas suspensas na atmosfera. A equipa analisou a deposição de microplásticos em 11 áreas protegidas e remotas durante 2018. Para uma melhor análise, a equipa teve em conta períodos de maior e menor precipitação e outras variáveis ambientais como por exemplo, a proximidade a centro populacionais e o contexto meteorológico da região. Para além da deposição de poeiras, a presença de microplásticos foi detetada em 98% das amostras recolhidas. A dimensão dos microplásticos encontrados variou entre os 4 micrómetros e os 3 milímetros, sendo a vasta maioria apenas percetível através de um microscópio. Além disso, os microplásticos depositados em condições de maior precipitação tendem a ser em menor número, mas maiores dimensões, sendo a deposição destes influenciada com as massas de ar e com a proximidade a cidades. Por outro lado, em condições de tempo seco, a deposição de microplásticos foi inferior à deposição de poeiras o que sugere que os microplásticos serão dispersos a longas distâncias, devido à sua menor densidade.
Provavelmente, o leitor estará a questionar-se: “qual a origem destes microplásticos?”. Pois bem, neste estudo a equipa também analisou a composição química das partículas e tentou descobrir a sua possível origem. A grande maioria das partículas encontradas foram fibras sintéticas de poliéster, nylon, poliolefina e de outros compostos artificiais, comummente utilizadas na indústria têxtil em vestuário e ferramentas como tendas e cordas. No caso do vestuário por exemplo, grande parte da libertação destas fibras ocorre durante o processo de secagem, chegando a ser muito superior à libertação de fibras nas águas residuais resultantes do processo da lavagem. Outras partículas microplásticas encontradas possuíam formatos esféricos e irregulares. A sua análise química revelou serem compostas de propileno, metil metacrilato, polivinil e outros compostos utilizados pela indústria na produção de revestimentos e tintas. Alguns destes compostos podem ser encontrados também em produtos de higiene pessoal. Uma das vias que poderá justificar a presença destas partículas em suspensão na atmosfera será a sua aplicação através de aerossóis em spray. Os resultados deste estudo evidenciam então, o papel das chuvas na deposição destas partículas e o papel que massas de ar poderão ter na dispersão a longas distâncias deste tipo de químicos poluentes.
O impacto negativo de microplásticos tem levantado algumas preocupações acerca dos seus efeitos na sustentabilidade de recursos naturais (p.e. pescas), na saúde dos ecossistemas e no futuro do ser humano. Por essa razão, a comunidade científica tem desenvolvido a sua investigação em redor de questões ainda por resolver relativas aos microplásticos. Este estudo evidencia então a facilidade com que microplásticos poderão ser dispersados até regiões remotas como o Ártico e Antártida, assinalando a necessidade de um despertar de consciências e alterações de comportamentos que têm vindo a contribuir rapidamente para um planeta Terra mais poluído e menos rico.
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Fonte: Brahney J., Hallerud M., Heim E., Hahnenberger M., Sukumaran S. (2020) Plastic rain in protected areas of the United States. Science 368 (6496), 1257-1260. DOI: 10.1126/science.aaz5819
Autor: Ricardo Matias