Incêndios ‘zombie’ no Ártico durante a Primavera-Verão de 2020

Os incêndios florestais no Ártico não são uma novidade, no entanto, a época de incêndios de 2020 começou dois meses mais cedo de forma mais severa do que o habitual. Apesar do aumento do número de incêndios ser esperado, devido aos incêndios a sul na floresta boreal e ao inverno invulgarmente quente, continua a haver incerteza sobre as suas fontes e os impactos regionais e globais. Este estudo analisa as alterações destes incêndios e a importância das comunidades indígenas na sua avaliação.

Os incêndios que ocorrem precocemente no Ártico são causados por fogos ‘zombies’, resultantes da continuação de fogos que aconteceram na estação de cultivo anterior, não estando associados a novas fontes de ignição (ex. relâmpagos ou fogueiras). Estes podem arder em turfa rica em carbono durante meses ou anos debaixo da superfície, até nos meses de inverno. Apesar de haver pouca informação sobre estes eventos, o aumento da sua frequência representará um importante feedback no regime de incêndios no Ártico que terá de ser considerado nos modelos do sistema terrestre ou nas simulações da queima de biomassa global.

Evidências de 2019 e 2020 sugerem que as temperaturas extremas acompanhadas de seca estão a aumentar a disponibilidade de combustíveis superficiais no Ártico. Novos tipos de tundra e turfa estão a tornar-se mais vulneráveis à queima, e os ecossistemas considerados resistentes ao fogo estão a arder. Enquanto os fogos no permafrost da Sibéria são comuns, os fogos de 2020 ocorreram em latitudes mais elevadas em permafrost com elevado conteúdo de gelo (rico em carbono), o que os torna incomuns. A queima destes solos pode acelerar o degelo e as emissões de carbono, acentuando ainda mais os feedbacks climáticos.

Atualmente os modelos de previsão da queima de biomassa não são fiáveis no Ártico devido à falta de dados. Os fogos deste ano realçaram a necessidade de distinguir a importância de incêndios ‘zombie’ e novas ignições nos fogos do Ártico, e incluir essa informação nos satélites e bases de emissões. Apesar destas ferramentas permitirem melhorar a deteção destes incêndios, é indispensável ter observações locais sobre o tipo de solo que está a arder e a sua localização.

Assim, serão necessárias colaborações interdisciplinares entre as comunidades científicas, locais e indígenas para perceber melhor as alterações dos incêndios no Ártico. Estas comunidades com acesso a locais remotos são as primeiras a experienciar estas alterações e têm informações sobre este tipo de eventos, incluído sinais destes incêndios durante o inverno, possibilitando esforços coordenados em áreas como a gestão, ecologia e impactos climáticos.

Os fóruns intergovernamentais que investiram na proteção do Ártico, envolvendo as comunidades indígenas como participantes permanentes, estão bem posicionados para o desenvolvimento de um sistema de monitorização de incêndios. Este sistema irá requerer redes de monitorização superficial, deteção remota e modelos do sistema terrestre, combinando os conhecimentos de diferentes comunidades.

Estes incêndios são um problema global que requer uma solução global, na qual a experiência das comunidades indígenas será fundamental para o seu sucesso.

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Fonte: McCarty, J.L., Smith, T.E.L. & Turetsky, M.R. Arctic fires re-emerging. Nature Geoscience 13, 658–660 (2020). DOI: 10.1038/s41561-020-00645-5

Autora: Carolina Viceto

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