O mercúrio (Hg) é um metal tóxico, cujas concentrações têm aumentado no ambiente devido a atividades antropogénicas. Este metal bioacumula-se nos organismos ao longo da vida e biomagnifica-se pelas cadeias alimentares, alcançando concentrações altas em alguns predadores de topo. Para entender a ameaça do Hg para esses predadores, é fundamental monitorizar as concentrações de Hg em organismos de níveis tróficos intermediários, uma vez que eles são fatores cruciais na transferência trófica do Hg. Mas como as vamos monitorizar o Hg no caso das lulas do Oceano Austral sendo elas difíceis de capturar? A resposta está nos seus bicos, que são estruturas de quitina resistentes à digestão, que se acumulam nos estômagos dos seus predadores, podendo ser recolhidos em regurgitações ou após a morte do animal.
Uma dessas espécies de lulas, Moroteuthopsis longimana, habita nas águas profundas do Oceano Austral e pode atingir mais de 2 metros de comprimento total. Esta espécie bioacumula Hg ao longo da sua vida, e é uma importante presa para vários predadores de topo, como aves marinhas, mamíferos marinhos e peixes, pelo que entender seu papel na transferência de Hg na cadeia alimentar é crucial. No entanto, ainda há falta conhecimento sobre a relação entre as concentrações de Hg nos bicos de M. longimana e músculo (que é a parte principal consumida pelos predadores), que é o que este estudo pretende analisar.
Para isso, foram usadas 21 massas bucais de M. longimana recolhidas do estômago do bacalhau-da-Antártida (Dissostichus mawsoni). Para a determinação de Hg total, os bicos superior e inferior foram seccionados em asa (W) e extremidade superior do bico superior (H), e o restante do bico inferior (L) e superior (U) (Figura 1). Uma porção do músculo da massa bucal (M) foi também cortada para a determinação da concentração de Hg.
Os resultados mostram que as concentrações de Hg no músculo são ~100 vezes mais elevadas do que nos bicos inteiros (U e L) e ~50 vezes mais elevadas que as secções W e H (Figura 2). Esta variabilidade entre tecidos nas concentrações de Hg confirma que a concentração de Hg no bico não reflete diretamente a concentração no músculo.
Contudo, foi encontrada uma relação positiva entre as concentrações de Hg na asa (W) e no músculo (M), traduzida pela seguinte equação:
Hgmúsculo = 34.88 Hgasa + 0.12
Esta equação sugere que a concentração de Hg na asa pode ser utilizada como proxy da concentração de Hg no músculo de M. longimana. No entanto, só deve ser utilizada para indivíduos adultos, uma vez que este estudo apenas utilizou bicos adultos totalmente quitinizados.
Estudos futuros podem agora utilizar esta equação para estimar a concentração de Hg no músculo de outras M. longimana, através da análise da concentração de Hg na asa do bico, fornecendo um meio de avaliar os níveis, transporte e destino do Hg no ecossistema do Oceano Austral.
Fonte: Lopes-Santos S, Xavier JC, Seco J, Coelho JP, Hollyman PR, Pereira E, Phillips RA, Queirós JP (2025) Squid beaks as a proxy for mercury concentrations in muscle of the giant warty squid Moroteuthopsis longimana. Marine Environmental Research 204:106841.
Autora: Sara Santos