Evidências de que os pinguins-rockhopper se alimentam de uma importante espécie comercial de lula

Os cefalópodes (lulas e polvos) desempenham um papel essencial nos ecossistemas do Oceano Antártico, atuando como elo entre os organismos de nível trófico baixo e os predadores de topo. No entanto, o seu papel ecológico no sector Pacífico deste oceano é ainda pouco conhecido, nomeadamente o seu habitat e posição trófica na cadeia alimentar marinha. Porquê? Porque os cefalópodes de maiores dimensões têm a capacidade de escapar às redes científicas, tornando difícil a captura de espécimes vivos para responder a estas questões. Então, como ultrapassar estes problemas? Para resolver esta questão, os investigadores utilizam bicos de cefalópodes recolhidos do conteúdo do estômago de predadores.

Mas como é que o fizeram? Neste estudo, os cientistas recorreram aos pinguins-rockhopper (Eudyptes chrysocome filholi), da Ilha Campbell (uma ilha subantárctica da Nova Zelândia), como bioamostrador. Os investigadores recolheram bicos de cefalópodes da sua dieta durante duas épocas de reprodução (1986-87 e 2012-13) e efetuaram depois a análise de isótopos estáveis (SIA), formas de elementos químicos que não sofrem decaimento radioativo. Com o uso deste método, examinaram as assinaturas isotópicas de carbono (δ¹³C) e azoto (δ¹⁵N), que fornecem informações sobre o habitat e o nível trófico dos organismos. Os valores do δ¹³C ajudam a distinguir entre locais de procura de alimento costeiros e ao largo da costa, enquanto os valores do δ¹⁵N indicam a posição de um organismo na cadeia alimentar.

E o que é que descobriram? Utilizando os bicos, os cientistas conseguiram identificar diferenças na biodiversidade de cefalópodes na dieta dos pinguins entre as duas épocas de reprodução. Em 1986-87, a dieta incluía sete espécies de cefalópodes, contrastando com a época de 2012-13, que incluía apenas três espécies: Moroteuthopsis ingens, Nototodarus sloanii e Octopus campbelli. Além disso, M. ingens e O. campbelli estiveram presentes em ambas as épocas, mas N. sloanii só foi encontrado na época 2012-13. E o que é que isto significa? Em primeiro lugar, a diversidade global parece ter diminuído, mas isto deve-se provavelmente a uma amostragem mais reduzida (Nº1986-87= 69 vs Nº 2012-13= 11). Em segundo lugar, a identificação de N. sloanii pode indicar uma expansão do habitat para sul, uma vez que esta espécie é mais comum nas águas mais quentes da Nova Zelândia.

            E a análise de isótopos estáveis? Esta análise revelou variações no habitat e nichos tróficos entre espécies. Especificamente, M. ingens não apresentou diferenças significativas nos valores de δ¹³C ou δ¹⁵N entre os anos (Figura 1), enquanto, para O. campbelli os valores de δ¹³C e δ¹⁵N foram significativamente mais baixos em 2012-13 em comparação com 1986-87 (Figura 2), sugerindo uma mudança no local de procura de alimento e possivelmente uma mudança para níveis tróficos mais baixos. N. sloanii, apresentou valores de δ¹³C de acordo com os valores de outros taxa de águas subantárticas e valores mais baixos de δ¹⁵N indicativos de procura de alimento em níveis tróficos mais baixos.

Figura 1: Valores de isótopos estáveis (δ13C e δ15N) dos bicos inferiores de Moroteuthopsis ingens comparando as épocas de reprodução 1986-87 (n ind = 16, n cap = 10) e 2012-13 (n ind = 11, N cap = 10) (n indnúmero de indivíduos agregados em cápsulas; n cap número de cápsulas utilizadas). Os valores são a média ± DP.

O que é que isto significa? As diferenças nos valores dos isótopos estáveis entre as épocas de reprodução podem ser um sinal de alterações nas condições oceanográficas, como o aquecimento das águas, levando as espécies para novos habitats e alimentando-se de forma diferente. Além disso, a presença de N. sloanii nas dietas oferece informações sobre a sua alimentação e possíveis interações com as pescas da Nova Zelândia, o que pode afetar tanto as pescas como a conservação do pinguins-rockhopper.

Figura 2: Valores de isótopos estáveis (δ13C e δ15N) dos bicos inferiores de Octopus campbelli comparando as épocas de reprodução 1986-87 (n ind = 19, n cap = 10) e 2012-13 (n ind = 20, n cap = 10) (n ind número de indivíduos agregados em cápsulas, n cap número de cápsulas utilizadas). Os valores são a média ± DP

No geral, este estudo contribui significativamente para o conhecimento da ecologia dos cefalópodes no sector do Pacífico do Oceano Austral. Demonstra que diferentes espécies de cefalópodes apresentam preferências de habitat e níveis tróficos distintos. Os resultados reforçam a importância da monitorização contínua das populações de cefalópodes, particularmente face a mudanças ambientais que podem alterar a sua distribuição e disponibilidade para predadores como os pinguins-rockhopper.


Fonte: Guímaro, H. R., Thompson, D. R., Morrison, K. W., Fragão, J., Matias, R. S., & Xavier, J. C. (2025). Evidence of eastern rockhopper penguin feeding on a key commercial arrow squid species. Polar Biology48(1), 1-7

Autor: Lucas Bastos

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